Sou movida pelo acto de aprender

Uma reflexão pessoal sobre como a aprendizagem através da criação – da cerâmica ao artesanato – moldou a minha maneira de ser e de criar no mundo.

Ana Clemente

Há quem viva de certezas — eu vivo da inquietação do novo.
Gosto da surpresa, da faísca criativa que reinventa o futuro, do deslumbramento diante do que ainda não sei. Gosto da forma como o conhecimento nos alarga por dentro, subtilmente, como quem molda o barro com dedos atentos.

Cresci a ver o mundo pelas mãos. Costurei, bordei, teci, fiz macramé, pintei vidro, criei papel, moldei gesso e cera. As escolas ainda ensinavam com as mãos, e em casa havia espaço para experimentar. Tive esse privilégio — e talvez tenha sido aí que começou esta forma de olhar, onde aprender é sempre uma possibilidade de criar.

Quando me perguntam o que faço, hesito. Não por não saber, mas por fazer demasiado.
A arquitectura ensinou-me a pensar o espaço. A joalharia, a trabalhar o detalhe. A olaria, a escutar a matéria. O artesanato, esse grande universo onde tantos saberes se cruzam, mostrou-me que o fazer é, acima de tudo, um gesto de escuta — ao tempo, aos outros, à tradição, à terra.

Foi esse desejo de escuta que me levou até ao Centro de Artes e Ofícios de Trás di Monti, no Tarrafal, em Cabo Verde. Quis aprender com as oleiras, com os seus gestos antigos, com a memória que guardam no corpo. Troquei tardes de sol e tempo de descanso por horas silenciosas diante do barro. E ganhei tanto: encontros, cumplicidades, palavras partilhadas, respeito, amizade. Aprendi que o tempo do barro é também o tempo da confiança.

A cerâmica ensinou-me a falhar. A repetir. A começar de novo. E a continuar.
Porque há processos que só se revelam a quem insiste. Porque há formas que só nascem quando aceitamos a imperfeição. Porque criar é também isso — acreditar, mesmo quando não se vê o resultado.

Aprender, para mim, é uma forma de estar no mundo.
Exige humildade, entrega, escuta. Sem partilha não há transmissão. Sem vontade, não há mestre. Como na vida: dar e receber. Num equilíbrio delicado onde o prazer só chega com o progresso, e o progresso só chega com amor. Amor pelo que se faz, por quem nos ensina, pelo próprio caminho.

Perguntam-me se tudo isto tem um propósito.
Tem.
É a minha forma de ser e de criar.
É o que me faz continuar.