Passar o Testemunho
Semear com as mãos, colher com o coração.
Ana Clemente
Desde sempre, sonhei com a criação da oficina criativa Terra na Mão, movido pela urgência de despertar a produção artística e o artesanato desde os primeiros anos de vida. Em 2016, nasceu a nossa primeira oficina, no Centro de Artes e Ofícios em Trás di Monti, um momento mágico onde avós, mães oleiras, netas e filhas com o objetivo de estimular o interesse da geração mais nova pela olaria enquanto técnica e matéria criativa, neste caso produção de contas de barro.
Ao longo do tempo, expandimos a experiência para o ambiente escolar, onde o entusiasmo dos jovens participantes se revelou uma fonte inesgotável de inspiração. Cada encontro reforçava a importância de integrar a arte e o artesanato ao currículo, despertando nas novas gerações o amor pela criação manual.
Em 2018, tivemos a alegria de realizar a primeira sessão oficial das oficinas Terra na Mão, apoiada pelo IC-Camões, no Centro Cultural Português na Praia. Para este momento especial, convidei as mestres oleiras de Trás di Monti, em Tarrafal, Santiago, com quem construí uma relação de partilha e respeito desde o início do projeto Dez Grãozinhos di Terra.
Durante uma manhã de quatro horas, o tempo pareceu voar. As crianças mergulharam de cabeça no processo criativo, desde a concepção até a materialização de suas ideias. A imaginação foi estimulada, e foi dado espaço ao non-sense e à liberdade criativa para criar personagens de barro se tornaram protagonistas de uma história coletiva.
Foi uma viagem sensorial e emocional: desde a conversa sobre o método tradicional da olaria em Santiago até o prazer de colocar as mãos na terra, vendo as personagens ganhar vida — primeiro como tinta, depois como objetos plásticos e expressivos. As expressões de alegria estampadas nos rostos, as roupas “pintadas” de barro, e a narrativa que nasceu de cada criação, refletiram a magia de um momento único, repleto de brilho nos olhos e sorrisos sinceros.
Transmitir esse saber ancestral, preservando-o como patrimônio imaterial, é fundamental para fortalecer a nossa identidade cultural e o sentimento de pertença. É semear hoje as sementes do futuro, valorizando o legado deixado pelos mais velhos e celebrando a criatividade que transforma a terra — o barro — na matéria-prima de histórias reinventadas, carregadas de significado e arte.
Porque, no fundo, é isso que a arte e o artesanato fazem: mantêm vivo o fio invisível que nos liga ao que fomos e nos projecta para o que ainda podemos ser.






