Artesanato e Design
Contributo do Centro Nacional de Artesanato e Design de Cabo Verde
Ana Clemente
Sempre acreditei que é nos cruzamentos que nascem as ideias mais férteis. Entre o saber tradicional e o gesto contemporâneo, entre o pensamento e a matéria, entre quem faz e quem imagina.
É nesse lugar — de pontes, de encontros, de escuta e partilha — que tenho procurado construir o meu caminho, seja como investigadora, seja como autora. Um caminho que usa a linguagem do saber fazer como ponto de partida para o diálogo, a criação e a reinvenção, focado nos recursos e nos saberes do lugar, como fontes para uma criação contemporânea enraizada e contextualizada.
Em Cabo Verde, esse caminho encontrou o contexto apropriado, muito incentivado pela acção do Centro Nacional de Artesanato e Design (CNAD).
Ao longo dos últimos anos, o CNAD tem desenvolvido uma estratégia pioneira que reconhece os saberes artesanais como valores actuais, vivos, com utilidade e sentido no presente. Com uma visão que valoriza o artesanato não apenas como expressão cultural e patrimonial, mas como terreno fértil para a inovação.
No centro desta dinâmica está a URDI, a feira anual que tem sido palco e laboratório, com a edição anual do concurso Salão Design Created in Cabo Verde, com as Grandes Conversas, que têm sido palco de partilhas produtivas e informativas sobre o mundo da criação entre a arte, o artesanato e o design, as promoção de residências artísticas e a organização feira, como produtos de artesãos de todas as ilhas.
Foi neste contexto fértil que entre 2017 e 2023, participei nas edições do concurso Salão Design Created in Cabo Verde, lançado anualmente pelo CNAD. Um desafio lançado a criativos — artesãos, designers, arquitectos, artistas — para imaginar objectos a partir de uma temática proposta, com uma condição essencial: as peças deveriam poder ser produzidas por artesãos cabo-verdianos, com materiais e técnicas disponíveis no país.
A cada ano, dezenas de propostas foram pensadas, avaliadas, seleccionadas, produzidas.
Foi um processo desafiante para todos os envolvidos. Ao longo dos anos dezenas de propostas foram avaliadas, selecionadas e produzidas, pondo à prova a criatividade, a capacidade de execução e a adaptabilidade do sector. Quem concebeu fez o exercício de trabalhar em função de um conceito específico, dos materiais disponíveis e dos saberes existentes no país. Quem produziu teve a abertura para lançar mãos a obras que colocavam desafios bem diferentes do trabalho de todos os dias. Houve um enriquecimento mútuo, exploraram-se capacidades de execução e desafiou-se o pensamento colaborativo e interdisciplinar, conduzindo as dinâmicas entre o design e o artesanato para um nível de exigência e de qualidade crescentes.
Tive o privilégio de participar nesse percurso e de ver várias peças que concebi a ganhar vida nas mãos de artesãos e artesãs de Cabo Verde:
– PASSAGU e PODOGÓ21, do concurso Identidade de Nôs Casa (2017)
– PINTADURA, do concurso Boka Panu (2018)
– TERRERO e PANU, do concurso Repika (2019)
– MOIA, do concurso Lossguia (2020)
– PA FLA, do concurso Palavra (2022)
Noutro momento, partilharei imagens destas peças e das exposições que delas resultaram. Porque cada objecto tem a sua história — e cada história carrega o testemunho de um tempo, de um lugar, de uma vontade de criar a partir da Terra e com o Outro.
Em 2021 tive oportunidade de fazer parte do grupo da residência artística POTE, que pela riqueza da experiência e dos resultados merece uma outra história.
Este é o poder do artesanato quando se cruza com o design: dar forma ao que nos liga.







